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[conto] Amanda IV

17 abril 2010

Amanda

Parte IV



4.1 Caminhando




    Guy e Amanda não tiveram pressa para deixar o jardim, foram caminhando lentamente apreciando as flores e conversando sobre tudo o que não tiveram tempo de falar antes. Guy contou estórias sobre outros mundos e seus habitantes, sobre a altiva feiticeira branca e o poder que ele sentiu emanar dela, sobre sua viagem e a Cidade entre Mundos. Não apressaram os problemas, pois eles nos alcançam naturalmente e cedo ou tarde eles alcançariam Guy e Amanda.

    Amanda por sua vez contou muitas estórias sobre sua vida e suas decepções, suas tristezas e incertezas, sobre as vezes em que foi abandonada e as que foi obrigada a abandonar outros. Guy conhecia todas essas estórias, ouvira nas tardes e noites que passara sozinho com Amanda, mas de maneira alguma a interrompeu, sentiu prazer em ouvir tudo de novo, sem interromper ou se desinteressar.

    Tudo tem um fim. Isso é um fato. O jardim encontrou seu fim e deu lugar a uma floresta. Guy falou que era a floresta do sub-consciente, era misteriosa, Amanda considerou-a um pouco sombria, mas com Guy ela iria a qualquer lugar. Após alguns passos floresta a dentro Guy parou e encarou Amanda por alguns segundos antes de começar a falar:

    - Senhorita nessa floresta se escondem todas as coisas que você gostaria de esquecer. Todas as coisas que você enterrou o mais fundo que pode para que nunca mais precisasse encara-las, mas essas coisas mesmo nas profundezas ainda estão atuando sobre você e sem que perceba sugando sua força. Gostaria de sua ajuda para impedir que isso continue acontecendo.

    Amanda o encarou com um leve sorriso. Era impossível ficar triste em sua presença.

    - Se você estiver comigo eu posso ir a qualquer lugar Guy.

    - Estarei com a senhorita o tempo todo. Nunca duvide disso. Mesmo no momento mais escuro procure por mim que eu estarei a seu lado. Agora temos de continuar caminhando.

    Agora a garota entendia porque aquela floresta lhe parecia sombria, sob suas raízes estavam enterradas todas as coisas que ela se esforçara o máximo para esquecer. No fim os problemas acabam nos encontrando e eles estavam prestes a encontrar Amanda e Guy e quanto a isso não havia o que pudesse ser feito além de enfrentá-los.

    Conforme caminhavam a floresta foi ficando mais escura e enevoada, aumentando ainda mais a sombra que pairava sobre o coração da garota. Quando se encontravam no meio da floresta e não havia mais volta os sussurros começaram.

    Como ela é feia.


    Ele não te ama.


    Quem é ela?


    Não sei. Quem liga?


    Eu te odeio!


    Sai daqui!


    Ele me deixou!

    Não eram sussurros. Era mais como ecos que chegavam de muito longe. Sons que viam de um passado muito distante e esquecido para trazer de volta lembranças que não deveriam jamais ser lembradas. Foi nesse momento, em que as coisas não poderiam piorar, que os ecos pararam e com o súbito silêncio pode-se ouvir o choro de Amanda que acompanhava as lágrimas que saiam de seus olhos e escorriam por seu rosto.

    Guy limpou o seu rosto e a indicou o caminho a frente deles. Era uma caverna. Uma caverna em que nenhuma luz penetrava e que qualquer passo que fosse dado para dentro dela já significaria caminhar em completa escuridão. Amanda teve medo disso e imaginou que tipo de pesadelo se esconderia lá dentro. O medo aumentou, cresceu de maneira inexplicável e a paralisou. Quando pensou que não conseguiria sair do lugar Guy tocou seu ombro e ela sentiu um calor invadir seu corpo e teve forças para continuar.

    - Senhorita. Por mais que a escuridão se estenda no caminho a nossa frente, temos de enfrenta-la para que possamos acordar nos sentido melhores do que quando fomos nos deitar.

    Dizendo isso ele segurou a mão de Amanda, deu um passo na escuridão e Amanda o acompanhou.

    Cedo ou tarde os problemas sempre nos acham.





4.2 Nas Cavernas da Escuridão





    No interior da caverna a escuridão era total, Amanda não podia nem ver por onde haviam acabado de entrar. O ar era viciado, como se fosse mais pesado do que do lado de fora, respirar dentro daquelas cavernas requeria esforço, como se não fosse algo natural. A cada passo a sensação ficava pior e o medo começava a nascer em seus corações. A vontade de Amanda era de voltar, mas Guy segurava sua mão e era somente por causa disso que ela ainda conseguia seguir em frente.
    Conforme o tempo passou, e naquele lugar seria impossível dizer quanto tempo foi, as coisas foram piorando. Quando o ar parecia sólido e um esforço imenso era necessário para empurra-lo em direção ao pulmão, quando a escuridão já era quase palpável ao redor dos dois, quando Amanda começou a se esforçar para não pensar em nada, nesse momento eles puderam ver olhos se abrirem e brilharem ao seu redor. Olhos vermelhos que os circundavam e desapareciam, somente para surgir em algum lugar diferente, às vezes mais perto e por vezes mais longe. Seu brilho era agressivo, a hostilidade era evidente e Amanda não sabia porque não atacavam. A garota tentou fechar os olhos, mas ainda podia ve-los por trás das pálpebras.

    - Não olhe senhorita. Tudo dará certo, eu estou aqui e nada será capaz de mudar isso.

    Isso a acalmou, mas mesmo assim ela não foi capaz de responder. Estava com muito medo, tanto medo que aparentemente parte de seu cérebro havia sido paralisado. A parte responsável pela fala certamente estava inoperante.

    Rapidamente recomeçaram os sussurros. Ecos na verdade. Ecos das lembranças que Amanda enterrara em seu sub-consciente. Vinham de várias direções, cada qual com sua lembrança amarga, cada qual uma punhalada mais dolorosa que a anterior. Amanda não aguentaria por muito mais tempo, estava apavorada, apavorada demais, não pode mais continuar a caminhada. Parou onde estava, o medo tomando conta de cada parte de seu corpo.

    - Vamos, falta pouco agora Amanda. Estou aqui a seu lado.

    Dessa vez a voz de Guy não teve o mesmo efeito, conseguindo apenas fazer com que o medo parasse de aumentar ao invés de acalma-la. Nesse momento a garota pensou o que faria se Guy não estivesse com ela, se não pudesse sentir a sua mão tocando na dela.

    Assim que esse pensamento tomou forma em sua mente ela sentiu o toque de Guy desaparecer e não pode mais sentir a sua presença lhe dando forças para continuar.

    - Guy!

    Nesse instante uma risada ecoou por todo o lugar. Começou longe e alegre, mas foi gradualmente ficando mais próxima e histérica. Não era uma pessoa normal que emitia aquele som. Era carregado de prazer, uma alegria incontrolável, que alguém que tivesse alguma compaixão dentro de si não sentiria em uma situação tão assustadora.

    Amanda não conseguia mais suportar aquela gargalhada insana. Agredia seus ouvidos e afrontava toda sua lógica. Como poderia existir alguém tão cruel? Nesse momento a risada parou, mas o silêncio não melhorou o estado de Amanda, os olhos que a rodeavam se fecharam, trazendo de volta a escuridão total que certamente não era uma boa companheira. Então de algum lugar na escuridão veio uma voz, uma voz que chegava até Amanda carregada de hostilidade.

    - Como você se meteu nessa situação mocinha? Sozinha no escuro?

    Era como se cada palavra, cada sílaba, cada fonema chegasse carregada de vontade de agredir a garota, fosse quem fosse queria intimidar e amedrontar e sabia muito bem como fazer isso. Sem esperar por resposta a voz continuou.

    - Eu sou o Medo minha querida. Esse aqui é o meu reino, nele estão enterrados seus maiores temores, suas maiores decepções, suas lembranças mais temidas. Até hoje cuidei para que nenhuma dessas lembranças deixassem esse lugar. Já você minha querida, quando deixar este lugar. - e nesse momento fez uma pausa - Não será da mesma maneira que entrou.

    Quando terminou de falar ele voltou a rir, primeiro baixinho, mas foi aumentando aos poucos até voltar a ser a gargalhada de antes.





4.3 Todos os seus Medos




    Às vezes é preciso dar dois passos para trás para conseguir dar um passo para frente. Amanda ficaria feliz em conseguir dar um passo para qualquer lado nesse momento, mas estava paralisada, atada pelas correntes do medo. Medo. Era somente isso que ela conseguia sentir nesse momento e parecia que era só isso que conseguiria sentir o resto da vida. Se era um sonho, por que não acordava? Suas esperanças estavam sumindo, se apagando lentamente. Onde estaria Guy? Ele jamais a abandonaria, mas até isso estava se perdendo.

    Logo após capturar Amanda o Medo começou um processo de tortura que parecia diverti-lo muito. Lembrança por lembrança ele mostrou para ela todos os momentos que ela um dia desejou esquecer. Aparentemente ele não esquecera nenhum e ainda foi fazendo pausas e comentários nas que julgou mais importante.

    - Pai e mãe separados. Observe as costas de seu pai se afastando quando você era pequena. Imagino que nunca suspeitou que ele não voltaria.

    - O primeiro fora. Adoro essa, sinceramente uma das minhas lembranças preferidas.

    - Assaltada no ônibus, quem diria, era apenas um garoto, mas foi seu primeiro contato com a violência. Gosto muito dessa.

    - O medo da perda. Foi chutada pelo namoradinho. Sabe apesar de ser a mais recente ela é muito importante, já que desencadeou tudo isso. Claro que esse fato apenas terminou com seu fraco equilíbrio emocional nos proporcionando esse belo momento juntos.

    Depois de muitas lembranças ruins Medo fez uma pausa dramática apenas para saborear o momento que estava por vir, já que ele guardava uma lembrança que considerava especial.

    A lembrança era Amanda trancada no escuro, se prendera sem querer no armário e ficou lá até ser encontrada por sua mãe. Aquilo era o que Medo mais gostava. O medo irracional do escuro. Quase uma fobia que a garota ocultava dentro dela durante a maior parte de sua vida. Essa lembrança mais que todas as outras o dava forças.

    - O que é isso? Uma garotinha tão corajosa com medo do escuro? Desculpe minha indelicadeza de ter mudado a cronologia, mas eu tive de deixar minha preferida para o final. O que acha de relembrar aqueles momentos no escuro de novo? E de novo e de novo até eu me cansar?

    Medo estava quase pulando de alegria. Adorava aquilo, adorava assustar e intimidar as pessoas.

    Amanda não podia mais aguentar. Fechou os olhos na escuridão e uma lágrima escorreu quando pensou que estava abandonando Guy, mas ele a tinha abandonado, não é? A deixara no escuro com aquele maníaco torturador. Não podia mais aguentar. Não queria mais aguentar. Sua parte consciente se desprendeu de tudo aquilo e ela pode sentir o torpor dominar seu corpo, aquilo foi um alívio. Iria ela finalmente acordar? Não importava mais, nada disso importava mais.





4.4 Vamos Continuar sem Medo




    Amanda abriu os olhos e pode ver o sol. Olhou com mais atenção e viu que não era o sol, estava muito perto dela para isso. Era algo brilhante, dourado e estava logo ao seu lado. Ela levantou-se e virou para ver melhor e se assustou ao se deparar com ela mesma, mas não era um espelho e também não era Tristeza. Na verdade Amanda nunca se vira tão bela e confiante. Seria essa a face do Medo? Impossível. Não estava mais na caverna do Medo, estava em algum outro lugar, estava em uma casa, mas não sabia como fora parar ali.

    A encarnação sorriu para ela, o sorriso mais lindo que ela já vira na face de qualquer pessoa. Definitivamente não era o Medo, não estava tentando amedrontar-la, a encarnação parecia emanar a mesma energia que Guy, apenas com algumas diferenças sutis que só Amanda reconheceria.

    - O que está acontecendo? Eu estava na caverna quando desmaiei. Você me trouxe para cá?

    - Bom dia Amanda, eu me chamo Esperança e vou lhe contar tudo o que aconteceu. Venha sente-se, vamos conversar.

    Esperança então? Isso explicava tudo, ao mesmo tempo que criava várias outras dúvidas. Ela caminhou até a cadeira que Esperança apontava, sentou-se e ficou esperando com uma ansiedade contida até que a encarnação começasse a falar. E assim foram suas palavras quando falou:

    - Você sucumbiu ao medo, e sua consciência se desligou do sonho. Com isso o medo iria te dominar, mas eu te trouxe até aqui, o inconsciente, onde eu mesma estou refugiada. Como Guy já disse, você é muito forte e nossa força vem de você, mas aparentemente a senhorita andou investindo suas forças nos sentimentos errados, não é? - e fez uma covinha no canto da boca para ressaltar a brincadeira, realmente Amanda percebia que Esperança não se deixaria abater por nada - Não se preocupe com isso podemos dar um jeito em tudo, se demos força a eles podemos tomar de volta. - a expressão de Amanda mudou para a de leve curiosidade, afinal ela estava falando em "nós" e não em "você", a resposta de Esperança foi um grande sorriso e começou como que explicando algo óbvio - Vamos juntas. Eu vou dentro de você, jamais nos abateremos ou esmoreceremos frente as dificuldades, enquanto você depositar sua força em mim estarei ao seu lado.

    - Como assim você vai dentro de mim?

    - Apenas me abrace e me puxe de encontro ao seu peito.

    Amanda caminhou em direção a ela e a abraçou.

    - Amanda assim que voltarmos, procure por Guy e ele estará lá, o momento em que duvidamos disso foi o momento em que o perdemos. Agora vamos é hora de despertar para o sonho.

    Depois disso Amanda a puxou para junto de si e Esperança virou uma esfera de luz e essa esfera penetrou no corpo da garota. Nesse momento ela sentiu um calor se espalhar em seu corpo, do peito ele seguiu em ondas até chegar as pontas dos dedos. Se sentia forte. Confiante. Finalmente estava pronta. Era chegada a hora do despertar.




4.5 De Volta




    Amanda abriu os olhos. Não faria diferença se os tivesse deixados fechados. A garota sabia exatamente onde estava e sabia o que precisava ser feito e o faria. Venceria o Medo e sairia daquela caverna com Guy ao seu lado.

    Assim que voltou totalmente a si pode perceber as gargalhadas do Medo e os olhos hostis a rondando. Sabia que precisava agir rapidamente e assim o faria, Esperança estava com ela.

    - Chega!

    Ela gritou e os risos cessaram ao mesmo tempo em que os olhos sumiam. Amanda se libertou das correntes do medo e se levantou.

    - Não temo a escuridão e não temo você. - Medo se encolheu sob essas palavras - Guy está a meu lado! E nós sairemos dessa caverna para podermos seguir em frente.

    Ao termino de suas palavras ela viu Guy brilhar ao seu lado, era uma luz dourada e quente. Lá estava seu cavaleiro, a seu lado como sempre estivera, ela apenas não percebera isso.

    Com a luz que Guy emanava Amanda pode ver em volta. Não havia nada, era apenas uma caverna comum como qualquer outra, Medo que a fizera se transformar em um lugar de trevas. Olhando ao redor pode ver Medo e se surpreendeu quando percebeu que era ele. Ele era, como as outras encarnações, igual a Amanda, mas como quando Amanda tinha 8 anos. Era uma garotinha com um olhar assustado. Nesse momento Amanda sentiu pena de Medo e ele se desfez em fumaça. Amanda ficou parada ao lado de Guy, aproveitando a imensa felicidade que a inundava por dentro até que ele falou.

    - Senhorita devo dizer que estou extremamente orgulhoso, nunca duvidei em nenhum momento que conseguiria.

    E essas palavras aumentaram ainda mais a felicidade dela, se é que isso era possível. Então Guy tirou uma pedra do bolso e a estendeu para a garota. Ela viu que parecia ser de vidro, mas quando a pegou sentiu que se a jogasse no chão ela não se quebraria. Quando a envolveu com os dedos a pedra começou a emitir um brilho dourado muito forte, mas de uma maneira que não incomodava os olhos e com isso toda a caverna se iluminou.

    - Pronto, com isso o Medo jamais poderá voltar a se esconder aqui.

    E dizendo isso Guy sorriu e seu sorriso foi retribuído por um sorriso radiante de Amanda que o abraçou.

    - Guy você é o melhor amigo que eu poderia pedir.

    E assim ficaram abraçados. Não teriam pressa, ambos sabiam que não adiantava correr atrás dos problemas e sabiam também que quando eles aparecessem, poderiam resolver se estivessem juntos.

    Quando o tempo chegou deixaram a caverna e seguiram em frente mais unidos do que quando entraram.

     
     

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